sábado, 17 de julho de 2010

A cara do Sossego

Ontem eu entrei num ônibus como de praxe, mas algo me deixou em estado de reflexão... Em meio a um silêncio, uma mulher levantou de seu assento e disse: "Respeitem seus filhos, seja qual for sua opção sexual, musical ou sentimental. Não agridam, nem com palavras nem com a mão. Em todo o ser humano corre sangue, há uma alma, uma vida." E ela saiu do ônibus. Ele todo calado, todos sabiam o que cada um estava pensando, alguns a olhavam como louca, outros concordavam que nem aqueles cachorrinhos de pescoço solto. Outros riam, e o resto roncava.
Pensei um pouco sobre o que ela disse. Pode ser que tenhamos que respeitar nossos filhos, são nossos, afinal. Mas, será mesmo? Será que é possível generalizar o fato de haver vida, seja ela qual for, mesmo levada a nada? Será que é coerente sangue correr junto a veneno? E alma? Sim, essa sim pode existir, boa ou ruim, vinda de lá de baixo ou lá de cima, essa pode cobrir qualquer mentira, qualquer ressentimento ou sentimento. Essa eu confio. Mesmo que o corpo queira um do mesmo sexo, queira ouvir qualquer estilo de música, ela vai cobrir, ela não nega, não rejeita. Vive.

E, antes de mais nada, respeitem seus filhos, ou coloque-se no lugar dele.

Atenciosamente,
Lorena Andrade Bichucher.

sábado, 24 de abril de 2010

Ele está tocando, uma musica que eu desconheço, mas ela entra pela minha pele, pelos meus ouvidos, e eu me arrepio, me estabilizo. Sinto uma conformidade do local, do ritmo lento de um violino, de um homem bonito, de um sexo quente. [Sei que em minhas escrituras costumo citar o sangue, o amor, o calor, o sexo. Ele está presente na minha vida, no momento em que escrevo. Por mais que haja esse tal tabu ao falar de algo tão bom para nós, é assim que me sinto.]

O tal homem é sério, é de estatura media, moreno, centrado naquilo em que estuda no momento. Seus sapatos são de alguém jovem, que gosta de moda. A parte da perna que posso ver antes da bermuda é peluda, chamativa. Usa um casaco azul, faz frio. Sua boca não é nem tão carnuda nem tão fina, é bonita. Seus olhos são escuros, feito um chocolate quente, como seu cabelo. Sua voz agora não escuto, mas presumo que seja simples, direta, sem extravios. Sua partitura agora se encontra sozinha. Mostra símbolos que se transformam em poesia no momento em que ele passa para seu instrumento. Estou em seu quarto, a alguns metros distante. Sentada numa cama, olhando suas costas, sua concentração.

Em um instante o som para, e depois volta. Em cima de sua partitura, alem do livro com aqueles tais símbolos, existe um aparelhinho. Não sei para o que ele possa servir, mas sei que a cada nota diferente que sai do violino, uma letra diferente aparece no tal aparelho. Ele voltou, seu queixo encosta no instrumento. Para de tocar e passa algo em seu arco, como se passasse giz no taco de sinuca. Volta a tocar. O ensaio para novamente, ele vem até mim, está com sede. Lhe indico o caminho da água, depois de um tempo ouço a musica novamente e as letrinhas mudarem no tal aparelho. Ele questiona o que venho a escrever, recuo. E a musica volta, vou-me embora, me apaixono fácil. Não consigo ir embora, o som me chama, e ele também.